quarta-feira, dezembro 31, 2014

Acontecimento do ano em Lisboa – A explosão da arte urbana

Alexandre Farto, Vihls,
na Travessa das Merceeiras
O destaque dado a Lisboa como uma das cidades onde "os melhores artistas de rua do panorama mundial têm a sua marca" seria suficiente para explicar a escolha da explosão da arte urbana como acontecimento do ano na capital portuguesa, por parte do blogue Beco das Barrelas. Mas diversos outros acontecimentos justificavam já a escolha, antes mesmo desta distinção mundial.


Lisboa passou com efeito a exibir nas suas paredes a marca dos melhores artistas de rua mundiais. Os leitores do blogue Beco das Barrelas acompanharam, este ano como nos anteriores, algumas das marcas desses artistas, fenómeno a que temos dado a maior atenção. O caso mais recente foi o do brasileiro Francisco Rodrigues da Silva, que usa o nome artístico Nunca,  expondo uma peça mural de grande escala na Rua do Vale Formoso de Cima. Mas por aqui passaram também, entre outros, os ucranianos Alexi e Vladimir que deixaram o seu traço na Praça Olegário Mariano.

Tinta Crua na Calçada da Glória
O mais importante, porém, é que artistas portugueses passaram a fazer parte do galarim dos “melhores artistas de rua do panorama mundial” e o caso mais brilhante passou por este blogue, onde se deu o devido destaque à participação do pintor Alexandre Farto, mais conhecido como Vhils, num projeto dos U2.
A publicação de um guia da chamada Street Art em Lisboa, editado pela Zest Books for Life, foi outro acontecimento marcante. Bem como o trânsito da arte urbana lisboeta das ruas para uma galeria, a Underdogs, e um suporte mais sustentável, a serigrafia.
O sexto aniversário do Gabinete de Arte Urbana (GAU) da CML, celebrado com novos painéis na Calçada da Glória e Largo da Oliveirinha, é outro marco deste ano. O GAU tem sido a alavanca que projeta a pintura e os pintores de rua de Lisboa e que lhes dá cobertura institucional e logística. 

E como se não bastasse esta sucessão de acontecimentos para consagrar a arte urbana de Lisboa, tivemos também em 2014 um acto de censura: uma revista foi suspensa por publicar um ensaio cujo autor observava que «nos últimos anos parece ter despontado nas paredes uma nova vontade de comunicação política». 

sexta-feira, dezembro 19, 2014

Ó Isabel, olha o relógio !

Houve um tempo, em Portugal, em que a frase feita mais popular era "Ó Isabel, olha o relógio", tirada de um filme publicitário. Mas uma sondagem veio revelar que mais de 90 por cento dos consumidores não fixavam a marca do relógio da Isabel. Do que toda a gente se lembrava era do enredo do anúncio. A jovem levantava-se da toalha de praia e corria para o mar. A amiga avisava-a: “Ó Isabel, olha o relógio”. E a rapariga respondia: “Não faz mal. É um Certina à prova de água”.


A seguir veio a anedota. Em Fevereiro de 1957, com a rainha Isabel II de Inglaterra prestes a visitar Portugal, perguntava-se: “Sabes o que é que o Presidente Craveiro Lopes vai dizer à rainha, quando passarem pelo Arco da Rua Augusta?”. A resposta certa era: “Ó Isabel, olha o relógio”.
A anedota pressupunha que o relógio fosse visível a quem passasse sob o Arco vindo da Praça do Comércio para a Rua Augusta. Não é assim. O relógio está instalado do lado do Arco que dá para a Rua Augusta.
A Praça do Comércio tem agora em exposição a sua própria história. E lá está o desembarque e Isabel II, com Filipe de Edimburgo a ver as vistas e o casal Craveiro Lopes a fazer as honras da casa. No momento seguinte do programa da visita, segundo a anedota, o coche real passaria sob o Arco da Rua Augusta e o chefe de Estado português faria a interpelação. 

O relógio e a maquinaria do relógio do Arco da Rua Augusta são dignos de se ver. O Arco do Triunfo da Rua Augusta está aberto ao público e para além da vista panorâmica única sobre a cidade permite visitar o salão de abóbadas que alberga a maquinaria do relógio. Não é a original, inaugurada em 1875 mas a que foi instalada em 1941. Quando o Arco foi inaugurado, no século XIX, só podia ser visitado em ocasiões especiais. 
Desde Agosto de 2013, o Arco está aberto diariamente, das 9 às  19horas. 
Entrada pela Rua Augusta. O bilhete custa 2,5 euros. 
Foto do desembarque da rainha, do DN em exposição patente na Praça do Comércio.
Fotos do Arco Francisco João; Texto João Francisco / Beco das Barrelas

quinta-feira, dezembro 18, 2014

Nunca trouxe Cabral a Lisboa


O pintor brasileiro Francisco Rodrigues da Silva, que usa o nome artístico Nunca e se encontra de visita a Lisboa, pintou a convite da galeria Underdogs uma peça mural de grande escala na Rua do Vale Formoso de Cima, Nº 167, mais propriamente na rotunda entre as avenidas Marechal Spínola e Infante Dom Henrique. O mural do artista brasileiro, pintado em toda a parede lateral de um edifício de rés-do-chão e primeiro andar, representa o navegador Pedro Álvares Cabral.
Nunca é um artista brasileiro com um largo portfólio, onde se destacam trabalhos para marcas de grande projeção, como sejam a Nike e a Ray-Ban, que transitou do papel e da tela para as ruas, onde dispõe de grandes superfícies para explanar as suas experiências e procurar novos ambientes para as suas personagens.

A galeria Underdogs está a comercializar uma serigrafia do artista Nunca baseada no motivo deste mural.
Texto e foto Beco das Barrelas 

segunda-feira, dezembro 15, 2014

Arte de inspiração urbana em exposição

Pintura urbana de Pantónio, na Calçada da Glória,
Abril de 2014
A Galeria Underdogs tem em exposição, até dia 23 de Deezembro, uma colectiva com trabalho original e exclusivo de alguns dos mais conceituados artistas portugueses inspirados pela realidade urbana: 
±MaisMenos±, Add Fuel, AkaCorleone, Dwelle, Mar, Maria Imaginário, Mário Belém, Pantónio, Paulo Arraiano, Pedro Matos e Wasted Rita.
A exposição, intitulada “Soma”, faz o ponto de situação do estado actual da arte contemporânea de inspiração urbana em Portugal. A par da arte pública, com pinturas nas paredes da cidade, há agora uma exposição em galeria, a Underdogs, no n.º 56 da rua Fernando Palha, a Braço de Prata, um espaço recuperado e transformado. Também está editado pela Galeria de Arte Urbana da CML e a editora Zest um guia da chamada street art nas ruas de Lisboa.
Durante a exposição serão lançadas serigrafias originais de tiragem limitada criadas pelos artistas desta exposição colectiva. 
Texto e foto Beco das Barrelas

domingo, dezembro 14, 2014

Cosme Damião é o Museu Português 2014

O Museu do Sport Lisboa e Benfica – Cosme Damião, em Lisboa, foi distinguido com o Prémio Museu Português 2014, atribuído pela Associação Portuguesa de Museologia.
Para além do Museu Cosme Damião eram finalistas para atribuição do prémio o Museu da Imprensa, na Madeira, e o Museu do Vinho e da Vinha, em Bucelas, que receberam menções honrosas. A Associação Portuguesa de Museologia atribui os prémios anualmente, desde 1997, a museus, projectos profissionais e actividades desenvolvidas no sector.
O Museu do Benfica – Cosme Damião foi inaugurado em Julho de 2013 no complexo do Estádio da Luz, em Lisboa, e exibe a história do clube apresentada a par da história de Portugal e do Mundo.
O Museu está dividido em 29 áreas temáticas e reúne milhares de troféus conquistados pelas diferentes modalidades do clube, bem como uma colecção de 20 mil objectos e documentação ligada à história do Benfica, inseridos no contexto sociocultural de Portugal. 
As botas de Cosme Damião
expostas no Museu
O acervo não se limita ao clube, contendo muitos objectos de época e uma rampa que conta o que aconteceu no mundo desde 1904. Ali estão duas guerras mundiais, o Titanic, os Beatles, o 25 de Abril de 1974, o incêndio do Chiado, o Nobel de Saramago e outras efemérides. 

A montra de vidro que alberga a maioria dos troféus tem a altura dos três pisos do museu. 

Ecrãs tácteis permitem consultar história de cada galardão, conquistado em cada modalidade, e também vídeos da sua conquista. Eusébio está representado num holograma em tamanho real que fala, interage e se despede chutando para os visitantes uma bola de futebol.

Em cerca de ano e meio de portas abertas, o Museu Cosme Damião já recebeu cerca de 80 mil visitantes. 

sexta-feira, dezembro 12, 2014

Esta luz de água... Lisboa

Esta névoa sobre a cidade, o rio,
as gaivotas doutros dias, barcos, gente
apressada ou com o tempo todo para perder,
esta névoa onde começa a luz de Lisboa,
rosa e limão sobre o Tejo, esta luz de água,
nada mais quero de degrau em degrau.

Eugénio de Andrade

Foto Francisco
Beco das Barrelas 

quinta-feira, dezembro 11, 2014

Lisboa é dos livros


Último Cabalista de Lisboa, Richard Zimler
Lisboa no século XVI, a Inquisição, os Cristãos Novos.

História do Cerco de Lisboa, José Saramago
Duas histórias: uma, a da batalha dos portugueses, apoiados pelos Cruzados, contra os mouros durante o cerco de Lisboa; outra, a de Raimundo Benvindo Silva, revisor editorial, a quem compete rever um livro sobre o cerco de Lisboa.

Biografia de Lisboa, de Magda Pinheiro, Esfera dos Livros
Gente, comércio, cercos e pestes, revoluções e invasões, batalhas, conquistas e derrotas, casas e mosteiros, ruas, lendas, mistérios. Lisboa na vida, na história, na biografia de Lisboa.


Os Maias, Eça de Queirós
História de uma família (Maia) ao longo de três gerações, centrando-se depois na última com a história de amor entre Carlos da Maia e Maria Eduarda. Também há o jornalismo corrupto, personificado no director do jornal “Corneta do Diabo”. E sarcasmo, focado por Carlos e Ega e no Eusebiozinho com duas espanholas.

As Confissões de Félix Krull, Thomas Mann
Félix Krull faz-se passar pelo luxemburguês marquês de Venosta, numa viagem a Lisboa cheia de peripécias.

Uma noite em Lisboa, Erich Maria Remarque
Refugiados na II Guerra Mundial de passagem por Lisboa.

O último acto em Lisboa, Roberto Wilson
A história começa nos arredores de Lisboa e depois recua até à II Guerra Mundial, na Alemanha, nas terras do volfrâmio em Portugal e em Lisboa e faz todo o percurso histórico de novo até à actualidade. Reconstituição histórica muito bem informada.

A companhia de estranhos, Roberto Wilson
Lisboa, anos 40, ninhos de espiões na cidade e no Estoril. O autor está muito bem informado e não comete erros na história de Portugal e nos circuitos da cidade de Lisboa. E escreve bem.

A Casa da Rússia, John Le Carré
Espionagem na Guerra-Fria. Como habitualmente nos romances de Carré, os serviços secretos ingleses são levados no recrutamento de um dissidente soviético. O romance acaba bem, em Lisboa.

 O Santo e o Mistério de Lisboa, Leslie Charteris
Simon Templar, mais conhecido por O Santo, também teve uma aventura em Lisboa.

Comboio Nocturno para Lisboa, Pierre Mercier
Um professor universitário suíço surpreende e evita o suicídio de uma jovem portuguesa, o que é ponto de partida para conhecer um livro de um antifascista português. Curioso, vem a Lisboa procurar o passado do livro e do autor e o presente do país.

Lisboa, Lochery Neill
A Guerra nas sombras da cidade da luz, 1939-1945.

Gaivotas em Terra, David Mourão-Ferreira
Só um lisboeta de gema poderia ter escrito esse livro. São quatro excelentes novelas, narradas de quatro pontos de vista diferentes.

Enseada Amena, Augusto Abelaira
Um livro de época cujo alcance vai muito além do quadro social que lhe serve de referência e que é, antes de mais, essencialmente humano.

O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
O protagonista é o heterónimo Ricardo Reis de Fernando Pessoa. Lisboa retorna a 1936, após uma ausência de 16 anos, e aí se instala observando e testemunhando o desenrolar de um ano trágico: o fascismo deixa antever um futuro negro na história de Portugal, Espanha e Europa.

Inverno em Lisboa, António Muñoz Molina
Lisboa começa por ser o título de uma peça de um músico de jazz que toca num clube em San Sebastian. Depois passa a ser um local de encontro e uma referência. Teremos sempre… neste caso, Lisboa… O autor nunca descreve qualquer acção em Lisboa e/ou arredores sem usar os termos sujo, suja, sujidade.

A Morte Branca, Pierre Kyria
O enredo desenvolve-se numa pensão de Lisboa e a trama do romance já foi considerada tipo Agatha Christie.

Afirma Pereira, Antonio Tabucchi
Afirma Pereira é um romance de Lisboa e de um autor que amava Lisboa, «uma cidade que cintilava sob a sua janela, e um azul, um azul incrível, afirma Pereira, de uma limpidez que quase feria os olhos».

A Escola do Paraíso, José Rodrigues Miguéis
A primeira infância do autor num dos melhores romances portugueses. A cidade do princípio do século, os primeiros automóveis, a cidade iluminada a gás, dos teatros do Príncipe Real, do animatógrafo, a cidade que acabava na Rotunda, para lá os campos de corridas ao Campo Grande.
O Que Diz Molero, Dinis Machado
A narrativa desenvolve-se a partir do diálogo entre duas personagens, Mister Deluxe e Austin, sobre o que diz uma outra personagem ausente, Molero, num relatório sobre um rapaz, Angel Face. Pode parecer banal mas é de facto mirabolante.

Casos do beco das sardinheiras, Mário de Carvalho
É um beco como outro qualquer, na parte velha de Lisboa. Uns dizem que é de Alfama, outros que é já da Mouraria e sustentam as suas opiniões com sólidos argumentos topográficos. A gente que habita o Beco tem sobre os outros lisboetas um apego ainda maior ao seu sítio e às suas coisas. Desde há muito tempo que não há memória de que algum dos do Beco tenha emigrado de livre vontade.

O Cavalo a Tinta-da-China, Baptista-Bastos
Um romance que interpela o destino português. “Retrato amargo e implacável do salazarismo e de Portugal. Um livro corajoso, comovente e desencantado sobre a alma e sobre a dor portuguesa”, acentuou Maria Teresa Horta. E um livro percorrido pelas ruas de Lisboa. 

Livro de bordo, José Cardoso Pires
Uma viagem pela cidade de alguém encantado com Lisboa, a história e a gente, muito rigorosa e muitíssimo bem escrita.

E ainda:
Era Lisboa e chovia, do embaixador Dário Moreira de Castro Alves, Lisboa através do que comiam a bebiam as personagens de Eça;
Peregrinações em Lisboa, de Norberto de Araújo;
Memória de Lisboa, de Rómulo de Carvalho (António Gedeão), com fotos, legendas e observações;
Lisboa Cidade Abril, de António Borges Coelho;
 Chiado o peso da memória, de António Valdemar;

E também:
O que o turista deve ver em Lisboa, o guia turístico de Fernando Pessoa publicado em Portugal só nos anos 90;
Deambulações por Lisboa de Alice Vieira em Esta Lisboa, com fotos de António Pedro Ferreira;  
Tejo, texto de Alice Vieira, 72 fotos de Neni Glock;
O poço da Cidade, de Ápio Sottomayor; 
Lisboa Desaparecida, de Marina Tavares Dias. 

E mais:
A poesia sempre incompleta sobre Lisboa, entre outros, de Cesário Verde, Álvaro de Campos, Alexandre O’Neill, Mário Cesariny, José Carlos Ary dos Santos, José Gomes Ferreira e Sophia de Mello Breyner Andersen.

E já agora:
Lisboa Revolucionária, Fernando Rosas (2 volumes).  

quarta-feira, dezembro 10, 2014

Lisboa nos Livros VI – Lisboa contada pelos dedos, de Baptista-Bastos

Foi Acúrcio Pereira, chefe de redacção do jornal O Século nos anos 50, quem descobriu que Armando Baptista-Bastos, então com 19 anos, escrevia com «palavras claras». O livro de crónicas lisboetas, publicado em 2001, Lisboa contada pelos dedos, demonstra que Acúrcio Pereira sabia muito bem o que dizia. E aí estão, com toda a clareza das palavras do autor, crónicas da cidade escritas por quem a ama. E ama, de igual modo, o ofício de escrever histórias.

Baptista-Bastos é um grande jornalista que deu em escritor ou será um grande escritor que começou como jornalista. Ele próprio tem pensado sobre estas duas disciplinas do ofício de escrever. Escreveu: «Eça impôs o jornalismo como uma disciplina superior da literatura, e é, talvez, o criador de uma tradição na Imprensa portuguesa: a que coaduna o "estilo" com essa ética da realidade, que compreende o jornal como um vector de progresso e de interveniência cívica e ética, e que faz do jornalista um autor - um autor que medeia o comportamento social com o acto da escrita».
Abrindo o livro, aí está a Lisboa contada pelos dedos:
«Lisboa é esta luz macia, o hissope da fé, o grito vermelho de Álvaro Pais, a tença que Luís Vaz esmola no Paço, os fados populares e cívicos de Linhares Barbosa contados por Amália, os velhos de O’Neill, o bagaço de Pessoa, os seios e as ancas das carvoeiras de Cesário, a escola do paraíso de José Rodrigues Miguéis, o punho vertical e terno de Ary e as vagabundagens de José Gomes Ferreira, o poeta claro como o cantou Armindo Rodrigues, outro que a versejou dispersa ao vento. E é também os bairros de Manuel Mendes, as peregrinações de Norberto Araújo, e as emoções escancaradas de Gustavo de Matos Sequeira, que vai ali a subir a avenida de braço dado com Leitão de Barros, discreteando sobriamente sobre o efémero e o eterno chão que pisam.
«- Vai um copinho de três?
«- Não; de dois. Já bebi de mais».

terça-feira, dezembro 09, 2014

Sugestão para uma prenda de Natal original: um livro

Cada livro é um original. Verdade. Um livro é sempre diferente do outro livro.
Portanto deixe-se de rotinas. Inove, dê uma prenda original: um livro. Já lho tinha dito? Pois insisto.
A propósito de livros, aqui vai uma anedota da tropa. O general fazia anos e o estado-maior estava reunido para decidir que prenda dar mas não havia maneira de alguém se sair com uma ideia de jeito. Até que um oficial sugeriu que dessem um livro ao general. Fez-se silêncio mas o chefe do estado-maior pôs fim ao impasse: Um livro? Isso não que ele já tem um.
Não seja como o general da anedota. Quanto a livros, há sempre lugar para mais um. Além de que os livros, depois de lidos, podem sempre passar de mão em mão e assim espalhar o prazer da leitura e a fonte de conhecimentos que é cada exemplar. E cada exemplar é isso mesmo: exemplar, para além de original.
Sendo assim, decida-se. Ainda não sabe o que dar ao pai, ao filho, à mãe, à irmã, ao tio, à sobrinha, à namorada, ao namorado, ao amigo, ao vizinho, ao patrão, à empregada? Dê um livro. Cada livro é um livro e a pessoa a presentear ainda não leu esse livro que você lhe vai dar. Ou se já leu agora há o talão de troca e a coisa funciona.
O livro, para além do conteúdo, tem forma, peso, cor, cheiro. O quê, não me diga que você nunca folheou e cheirou um livro?! Sabe o que é que você está mesmo a precisar? Que lhe dêem um livro pelo Natal.

Algumas novidades nas livrarias:
A tempo deste Natal, Gonçalo M. Tavares apresentou o seu mais recente romance, Uma menina está perdida no seu século à procura do pai. Uma história de busca, viagem e reflexão sobre o século XX.

Reeditado dez anos após a primeira edição está nas livrarias Filho de Deus, de Cormac McCarthy. É a história de um solitário homem rural, de grande, cruel e pervertida imaginação. Com a prosa bela e exata do autor.

Patrick Modiano está nas livrarias pelo Natal, pela primeira vez na qualidade de Prémio Nobel da Literatura. A História de Catherine conta a vida de uma criança que usa óculos, como o pai, e quer vir a ser bailarina, como a mãe. Nunca ninguém viu uma bailarina de óculos e Catherine também não: vai ver dois mundos diferentes.

Quem disser o contrário é porque tem razão, o mais recente título de Mário de Carvalho, é um livro sobre ser escritor, os dilemas, enigmas e perplexidades do ofício. Para Mário de Carvalho não há regra sem senão; não há bela sem razão. 
E Quem disser o contrário é porque tem razão.



segunda-feira, dezembro 08, 2014

O Fado mora em Lisboa

Aqui viveu a Severa
Já lá diz a letra de um fado de João Vasconcelos e Aníbal Nazaré que «o fadinho mora sempre por castigo // num bairro antigo, num bairro antigo // E a seu lado, p'ra falarem à vontade // Mora a saudade, mora a saudade // Quase em frente, numa casa de pobreza // Vive a tristeza, vive a tristeza, // Tem corrido os velhos bairros sempre à toa // Mas mora em Lisboa, mas mora em Lisboa.»
Aqui nasceu Amália
Basta andar pelas ruas da cidade para encontrar o fado, a sua história, os seus autores, tocadores e cantores.


Na Lisboa dos bairros, na Mouraria, em Alfama, na Madragoa, no Bairro Alto e na Bica, o Fado sai pelas janelas e envolve o visitante. Ouve-se.

Fernando Maurício,
na Rota do Fado, na Mouraria
A casa onde Amália veio ao mundo, no nº2 da Rua Martim Vaz, transversal da Calçada de Santana, tem placa sobre a porta. Amália é nome de jardim, acima do Parque Eduardo VII, e os admiradores da diva bem se esforçaram, mas em vão, por lhe deixar o nome da Rua de São Bento.

Fernando Farinha, Miúdo da Bica
 Na Mouraria está consagrada a Rota do Fado e lá estão assinaladas a casa onde terá vivido a Severa, as casas onde nasceram Argentina Santos e Fernando Maurício. Na Bica, uma placa assinala o local onde começou a carreira de Fernando Farinha.

Mas para além da toponímia, a realidade é que o Fado mora mesmo em Lisboa. 

Texto e Fotos Beco das Barrelas


sábado, dezembro 06, 2014

Ginjinhas até rimam… e são verdade

Ginjinha Popular,
Portas de Santo Antão
Goste-se ou não da infusão de ginjas em aguardente (diluída em alguma água), adicionada com açúcar e canela, a verdade é que a ginjinha, aos 200 anos de idade, entrou nas razões turísticas para visitar Lisboa. E se há 31 razões para visitar Lisboa, segundo o site norte-americano Global Post, uma delas é mesmo a ginjinha, com ou sem elas.
A ginjinha bebe-se «junto ao arco de Bandeira», naquela tasca
Ginjinha Rubi,
Rua Barros Queirós
«de aspecto rasca e banal», como a letra de José Galhardo apresenta A Tendinha. Mas onde se bebe ginjinha ao balcão há mais tempo é na Ginjinha do Largo de São Domingos. Há ainda a Ginjinha Sem Rival e a Ginjinha Popular, nas Portas de Santo Antão, a Ginjinha Rubi, na Rua Barros Queirós, mais a Ginjinha do Carmo, na Calçada que lhe dá o nome.
A Ginjinha sem Rival,
Portas de Santo Antão
Pode mesmo dizer-se que há em Lisboa uma região demarcada da ginjinha. Mas pode alargar-se o âmbito da região ao Príncipe Real, para bebê-la no Quiosque do Jardim, a par de bebidas mais elegantes como o leite perfumado, a orchata ou o mazagran, ou à Mouraria, para beber ginjinha n’Os Amigos da Severa, na própria Rua do Capelão.
A Tendinha, Rossio
junto ao Arco de Bandeira
Há ginja com ou sem elas (ginjas). E há um derivado que mistura ginja com anis, crismado com o nome de um palhaço italiano do Coliseu, Eduardino, grande apreciador da mistura. Nos Restauradores vende-se um outro derivado, o Perna de Pau, (cocktail à base de vinho generoso gaseificado - a receita do Pirata - mas misturado com ginjinha).
No Largo de São Domingos a ginjinha só se serve com elas e não se aviam Eduardinos. Além disso a casa tem na história um encerramento pela ASAE, em Novembro de 2007, com grande movimentação popular e manifestações em sua defesa. 
E no Largo de São Domingos, as ginjinhas até se servem com rimas.

Ora leiam:
A Ginjinha, Largo de São Domingos

Dona Fedúncia da Costa
De lambida e magrizela
Fez de ser tola uma aposta
Diz que ginjinha nem vê-la.
Porque coitada, não gosta.


E a ama de um reverendo
Que é das bandas de Barquinhas
Tem um aspecto tremendo
Bebe aos litros de ginjinhas
E é isso que se está vendo.

Rimas de A Ginjinha, do Largo de S. Domingos


Texto e fotos Beco das Barrelas

sexta-feira, dezembro 05, 2014

Fado e jazz "à desgarrada"

Júlio Resende a actuar no Festival de Alfama,
na esplanada do Museu do Fado,
com a igreja de Santo Estevão iluminada (à esquerda na foto)
O pianista Júlio Resende protagoniza o ciclo «O Fado e o Jazz», no Hot Clube de Portugal, partilhando o palco com Ana Bacalhau (dia 4), Cuca Roseta (dia 5) e o saxofonista Ricardo Toscano (dia 6).
O pianista lançou em Outubro o disco “Amália por Júlio Resende”, uma selecção de 11 fados de Amália, escolhidos com a ajuda dos fadistas Aldina Duarte e Hélder Moutinho, com arranjos do pianista para piano. 
O objetivo do pianista Júlio Resende foi «transpor para o piano toda a verdade, toda a carga emocional do fado, assim como os seus maneirismos», além de «cantar as melodias com o piano em vez de as acompanhar apenas».
O disco contém fados como “Fado português” (José Régio - Oulman), “Estranha forma de Vida” (Amália - Alfredo Duarte O Marceneiro), “Gaivota” (Alexandre O'Neil - Oulman ), ou “Barco Negro” (David Mourão Ferreira - Caco Velho ).
O fado “Medo”, poema de Reinaldo Ferreira, música de Alain Oulman, é incluído no disco “à desgarrada” em dueto com a voz de Amália. Belíssimo.
Para ouvir aqui

Foto Beco das Barrelas


quinta-feira, dezembro 04, 2014

Poesia com grades

No início do ano de 1940 o Dr. Adolfo Correia da Rocha, mais conhecido na vida civil e na literatura portuguesa por Miguel Torga, foi enclausurado pelos esbirros salazarentos na cadeia do Aljube (aljube, vem do árabe, de aljobbe, o significa o poço).
Torga foi simplesmente um entre milhares de portugueses que passaram pelos curros da sinistra cadeia vizinha da Sé. O Aljube foi depósito de presos políticos entre 1928 e 1965. Álvaro Cunhal, Mário Soares, António Borges Coelho, Francisco Miguel, Joaquim Pinto de Andrade, Carlos Brito, Fernando Rosas, Palma Inácio foram alguns dos presos do Aljube. Mas Miguel Torga escreveu poesia por detrás das grandes, na cadeia do Aljube, em 1940.  Um dos poemas, datado de Lisboa, Cadeia do Aljube, 1 de Fevereiro de 1940, intitula-se Claridade:

 Clareou.
Vieram pombas e sol,
e, de mistura com Sonho,
pousou tudo num telhado...
(Eu, destas grades, a ver,
desconfiado.)

Depois,
uma rapariga loira,
(era loira)
num mirante
estendeu roupa num cordel:
Roupa branca, remendada,
que se via
que era de gente lavada,
e só por isso aquecia...

E não foi preciso mais:
Logo a alma
clareou por sua vez.
Logo o coração parado
bateu a grande pancada
da vida com sol e pombas
e roupa branca, lavada.

Miguel Torga, Lisboa, Cadeia do Aljube, 1 de Fevereiro de 1940
 Fotos e texto Beco das Barrelas