quarta-feira, janeiro 16, 2013

Boémia de outros tempos


O Ritz, Sempre em Festa
Quando comecei a trabalhar nos Noticiários do velho RCP tomei conhecimento de um número de emergência anotado por baixo do vidro do tampo da secretária. Em caso de urgência, aquele era o número para, fora de horas, falar com o diretor de informação. Um dia liguei. Responderam-me do Ritz Clube. Aquele era o contacto de urgência do meu diretor, o número de telefone do Sempre em Festa, do Cabaret da Concha. No Ritz Clube passava-se bem a noitada. Até dava para cortar o cabelo ou fazer a barba e atacar num bacalhauzinho quando a noite já ia adiantada. Aqui encontrava por vezes o Mário Alberto, que era mais de copos ao balcão, subindo e descendo a Avenida da Liberdade.
Para comer fora de horas a escolha não era muita. Havia o Napoleão, na Infante Santo, a Alga, na Conde de Sabugosa, a cantina do mercado das Avenida das Forças Armadas, um ou outro restaurante do Parque, onde morava o Mário Alberto.

Não muito longe da Ritz ficava o Maxime, guardado à porta pela figura imponente do Jaimery, o Feroz Jaimery ou simplesmente o Jaime, campeão de luta livre americana, adversário implacável de Tarzan Taborda, Carlos Rocha, do espanhol Saludes. E o Maxime chegou a ser um cabaret à séria, com atrações nacionais e internacionais, corpos de baile e striptease. A memória viva que chegou aos nossos dias já era de um cabaret rasca, uma casa de alterne, com meninas a beberam ginger ale a fingir que era champanhe pago à taça e à ficha por parolos endireinhados.
As ruínas do Dominó, no Parque Mayer
 
Mais abaixo, já às portas do Parque, era a Cova do Galo. Balcão no rés-do-chão, para comes e bebes tardios, e copos e dança na cave com a música do Eugénio Pepe. Poucos saberão que o Eugénio Pepe que tocava até de manhã na Cova do Galo foi o compositor da canção “Vamos dormir”, com que a RTP mandava os meninos para a cama. Passado o portão do Parque havia o Cantinho dos Artistas e o Dominó, onde cantou o Fausto nos anos 74/75.
 
A Lontra continua
O mais roscofe no género era o Bolero, na Rua de São Lázaro, à saída do Martim Moniz em direção a S. José. Um pianista cego e um baterista coxo encarregavam-se da música. As “meninas” tratavam do resto. Conta-se que um dia um conhecido marialva lisboeta resolveu levar consigo a namorada, para que ela apreciasse o ambiente. Primeira e última boca que ouviram antes de sairem porta fora: “Olha este vem ao restórante e traz o c'mer de casa!”. Aqui paravam os retardatários.
O restaurante era no primeiro andar.

A Lontra, na Rua de S. Bento, era e é mais dança e muitos copos. Foi a primeira discoteca africana a atrair outras clientelas, intelectuais e boémios, num local que não era propriamente para conversar. Aqui encontrava por vezes o Eduardo Guerra Carneiro.
O Jamaica tem a vizinhança do ´Tokyo
Para conversar, e conspirar, ou namorar, ou embebedar-se civilizadamente, era o Procópio, um bar com decoração Arte Nova com o bom gosto da Alice Pinto Coelho.
E para beber ao som da música o melhor era o Jamaica, no Cais de Sodré. Fundado no início da década de 70, o Jamaica dava para passar a noite até às seis da manhã pelo consumo mínimo de três imperiais: 7 mil e 500. Grande música e o responsável era o Mário Dias: Eric Clapton e Zeca Afonso, Bob Marley e Xutos, Steppenwolf e Fausto, Nina Haggen e Rui Veloso. E na despedida da noite o Mário punha a rodar The Band, The Last Waltz 
E depois? Depois havia sempre e pelo menos o Cacau da Ribeira.

Texto e fotos Beco das Barrelas / Direitos reservados

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