sexta-feira, dezembro 28, 2012

Quando as Avenidas eram novas



Av. Duque d'Ávila pedonal
No Guia de Portugal, Volume I, publicado pela Biblioteca Nacional de Lisboa em 1924, esclarece-se a designação de Avenidas Novas: “uma série de avenidas e ruas largas e arejadas que se recortam entre as antigas estradas do Arco do Cego e de S. Sebastião da Pedreira, e a Norte do Vale do Pereiro, Andaluz e Largo do Matadouro. De abertura recente e possuindo alguns prédios de arquitectura pretensiosa, dificilmente, porém, as suas edificações se impõem pelas qualidades artísticas.”

O Guia é porventura demasiado severo ou talvez preconceituoso em relação à arquitetura da época, na qual se consagraram nomes como os de Miguel Ventura Terra, Ernesto Korrodi, Pardal Monteiro, Cassiano Branco.

Casa Malhoa: Prémio Valmor 1905
Certo é que as Avenidas Novas - nomeadamente no âmbito da designação que futuramente vai abranger as freguesias de Nossa Senhora de Fátima, S. Sebastião da Pedreira e ainda uma parcela de Campolide - têm um notável património construído, entre o qual se distinguem o Prédio de Gaveto entre a Avenida da República, nº 23, e a Avenida João Crisóstomo; a Antiga Mansão dos Viscondes de Valmor; o edifício da pastelaria Versailles; a Casa de Malhoa ou Casa, como é conhecido o edifício do Museu Dr. Anastácio Gonçalves; o Palácio Guedes Quinhones, no início da Rua de São Sebastião da Pedreira na esquina com a Rua Tomás Ribeiro; o Palácio Galveias; a Praça do Campo Pequeno; para o outro lado das Avenidas o Bairro Azul, a Casa Ventura Terra ou Palácio Mendonça.
Av. Júlio Dinis com Campo Pequeno ao fundo

Prémios Valmor, nas Avenidas Novas, são dezasseis, entre os quais, a Casa de Malhoa, Casa Viscondes de Valmor, Palacete Mendonça ou Casa Ventura Terra, Vila Sousa (no Saldanha), o nº 23 da Avenida da República, o nº 28 da Fontes Pereira de Melo, o nº 58-60 da Tomás Ribeiro, a Igreja de Nª Sª de Fátima, a sede, jardins e museu da Fundação Calouste Gulbenkian.
 

Rua Elias Garcia
 
O que poderá ter acontecido às Avenidas Novas, para rever a sentença condenatória do Guia de 1924, foi que o efeito da patine do tempo nas ruas e nos edifícios. Ou então os gostos foram requalificados. A fachada do edifício que ruiu na Elias Garcia (na foto) apresenta traços de um época que o tempo aprendeu a apreciar.

Texto de João Francisco. Fotos de Francisco João. Direitos reservados.

 

 

quinta-feira, dezembro 27, 2012

Nome de rua


Deste-me um nome de rua,
Duma rua de Lisboa!
David Mourão-Ferreira 

Jardim Amália
Afinal deram-lhe o nome a um jardim, no alto do Parque Eduardo VII, onde agora chega o Corredor Verde de Lisboa. Jardim Amália. Para trás ficou a iniciativa popular de dar-lhe o nome de rua a São Bento, onde Amália Rodrigues viveu e conviveu. Ficava-lhe bem o nome, numa rua antiga da cidade que conduz à Madragoa, como ficaria em Alfama ou na Mouraria, bairros onde o fado nasceu e estabeleceu residência, bairros de gente que tem o fado nas veias.
Casa Museu Amália
Depois chegaram os poetas, e que bem que a voz de Amália fez à divulgação da poesia, depois de cantar e gravar fados sentidos mas também cançonetas comerciais e até mesmo versinhos a tecer o elogio da pobreza que tanto agradava ao regime. Mas Amália foi sempre superior ao que cantava, até cantar os grandes poetas da língua portuguesa. Então ficaram a par, os grandes poetas e a grande voz única e inimitável que os cantava. “Com que voz”, de Luís de Camões na voz de Amália, é das mais belas obras da língua portuguesa, cantada na música de Alain Oulman, um francês de ascendência nascido no Dafundo. Lembro-me de ouvir, muito antes de ser editada e publicada, a gravação integral do serão em casa de Amália com Vinicius de Morais e José Carlos Ary dos Santos, um pouco mais para diante com David Mourão-Ferreira. Foi ali, na Rua de São Bento, que muitos quiseram que tivesse como nome de rua o nome de Amália.
Na casa da Rua de São Bento existe agora a Fundação e Casa Museu Amália Rodrigues. De alguma maneira, Lisboa deu-lhe um nome de rua.

 Texto e fotos Beco das Barrelas / Direitos reservados.

quinta-feira, dezembro 20, 2012

São Sebastião enfrenta o martírio do trânsito


Com pouco mais de 6.000 habitantes, a freguesia de São Sebastião da Pedreira reivindica um milhão de naturais, tantos serão os nascidos na freguesia onde se localiza a Maternidade Alfredo da Costa.
E é por essa razão que a freguesia, sem contestar a fusão com Nossa Senhora de Fátima, recusa mudar o nome para Avenidas Novas. Dizem os eleitos de São Sebastião que desse modo um milhão de lisboetas ficarão “órfãos” de freguesia, ou naturais de uma freguesia fantasma que não vem no mapa de Lisboa.

São Sebastião é freguesia desde o século XV ou XVI, embora os primeiros registos paroquiais recolhidos datem de 1601. Era então um das saídas da cidade de Lisboa. Já no final do século XIX, São sebastião exibia uma inovação tecnológica: um elevador a vapor ligava o Largo de São Domingos ao de São Sebastião, passando pelo Largo do Andaluz, e dando acesso no seu terminal ao Jardim Zoológico de Palhavã.

A área da freguesia é extensa mas o centro fica no largo da Igreja, o Largo de São Sebastião da Pedreira. A Igreja Paroquial é de traça rural e sobreviveu com poucos danos estruturais ao terramoto de 1755.
No interior destacam-se os painéis de azulejos.

No Largo existem ricos edifícios dos séculos XVIII e XIX. Mas o mais característico é o bloco de “habitações operárias” do século XIX: casas de três pisos, com varandins de ferro e acessos às portas por escadas.


A visita depara-se com um obstáculo que é comum a quase toda a cidade: há sempre uma desordem de estacionamento e circulação automóvel a perturbar a paisagem. Para além do caos automóvel é ainda possível admirar o Palácio de Vilalva, uma construção do século XVII que nos nossos tempos foi durante décadas sede do Comando da Região Militar de Lisboa e onde hoje estão aquarteladas diversas repartições do Exército.

São Sebastião da Pedreira é um dos espaços físicos do romance Memorial do Convento, de José Saramago.
No tempo de D. João V, São Sebastião era uma zona rural, de quintas e palacetes. É aí que Saramago coloca o padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão e a construção da sua máquina voadora, a Passarola, uma visão e um sonho partilhados com Blimunda Sete-Luas e Baltasar Sete-Sóis.  

Texto e fotos do Beco das Barrelas / Direitos reservados.

quarta-feira, dezembro 19, 2012

Manhã de nevoeiro


 
 
 
Não é o nevoeiro sebástico, à espera de D. Sebastião, “quer venha, ou não” (Pessoa); nem o nevoeiro em direção ao qual levantou o avião de Casablanca, trazendo Victor Laszlo e Ilsa Lund, enquanto Rick Blaine e o Capitão Louis Renault ficaram a estabelecer uma bela amizade.







Nem sequer é o nevoeiro do fado de Ana Moura, nas palavras de Amélia Muge:

No meio do nevoeiro
Teimo em ver o teu olhar
Que sei não ser derradeiro

É apenas porque com o Equinócio, em Setembro, “vieram marés vivas, ventanias, chuvas, temporais, nevoeiros” (Sophia).

Texto de João Francisco.
Fotos de Francisco João /Direitos reservados.

terça-feira, dezembro 18, 2012

Um dia a casa vem abaixo

Conde Barão

Dos mais de 57 mil edifícios existentes em Lisboa, 8274 apresentam mau ou muito mau estado de conservação. Segundo um recente levantamento feito pela autarquia, é no centro da cidade que se encontra o maior número de prédios degradados.
As freguesias de Campolide, S. José, Campo Grande e Anjos são as que concentram o maior número de prédios a precisar de obras: 2912, dos quais 238 estão em muito mau estado. As freguesias da Baixa, Bairro Alto, Graça, Penha de França, Campo de Ourique e Lapa têm 1740 edifícios em mau estado e 540 em muito mau estado de conservação.
Alfama
Nas freguesias do Lumiar, Charneca, Benfica e Carnide o problema é menos expressivo, com 1096 prédios degradados.
Na zona oriental da cidade (que abrange Olivais, Parque das Nações, Marvila e Beato) há 993 edifícios em mau ou muito mau estado, número que se repete na parte ocidental (Ajuda, Alcântara, Belém e S. Francisco Xavier).
No total, de 57.449 edifícios da cidade de Lisboa, 14 por cento estão em mau ou muito mau estado de conservação. 
O levantamento efetuado pela autarquia revela ainda que a cidade tem 2813 prédios completamente desabitados. Este número corresponde a 5% do total de edifícios existentes na cidade.
Praça João do Rio: degradação com maquilhagem
O arquiteto Luís Marques da Silva, membro do movimento Cidadania LX, lamentou o estado de abandono em que estão muitos edifícios, grande parte deles históricos, mas sublinhou que começa lentamente a apostar-se na sua recuperação. “Há agora alguma recuperação das estruturas e da cobertura dos edifícios. 
O problema é que continua a haver o método de deixar andar os edifícios antigos para se degradarem. Tiram-se telhas propositadamente para se estragarem os edifícios e impossibilitar a recuperação”, disse o arquiteto. Luís Marques da Silva considera que a autarquia deveria obrigar os proprietários a fazer obras ou então realizar obras coercivas.
 
Texto de fotos Beco das Barrelas / Direitos reservados


segunda-feira, dezembro 17, 2012

A Praça perdeu alegria



Maxime
A única novidade na Praça da Alegria, em Lisboa, é o Hot Club de Portugal - fundado em 16 de Março de 1948 e refundado em 2011, após o incêndio no prédio e inundação na cave em 2009. Considerado pela revista Downbeat como um dos cem melhores clubes de jazz do mundo e justamente classificado como um dos mais antigos clubes de jazz da Europa, o Hot Club manteve-se na Praça da Alegria, agora nos números 47 a 49, e a bem dizer é a única alegria da Praça.
 

A Praça era um terreno agrícola, chamado Cotovia de Baixo, antes do Terramoto de 1755, depois ali funcionou a antecessora da Feira da Ladra, então chamada Feira da Alegria, e só no século XIX começou a ser urbanizado. Nunca foi uma beleza arquitetónica, diga-se. Mas houve um tempo em que era um centro da Lisboa noturna e boémia. Dois cabarets, o Maxim e o Fontória, a casa de fados de Márcia Condessa, nas imediações o Parque Mayer, para um lado, e o Ritz Clube, para outro. Quando tudo confluía para a Praça da Alegria, em geral era porque a noite acabava na esquadra da PSP.
 
Agora, a antiga esquadra está emparedada, o Fontória está fechado, o Maxim e o Ritz Clube funcionam em part time. Márcia Condessa já não cantava o fado quando morreu em 2006, com 91 anos. E a morte do Parque Mayer criou um universo de fantasmas nos arredores.

O Jardim  

A Federação Portuguesa de Futebol mudou-se em 2004 para a Avenida Alexandre Herculano. Na Praça mantém-se o quartel dos Bombeiros Voluntários da Ajuda. E agora existe a Residencial Alegria (duas estrelas), onde antes funcionava a Pensão Sevilha (curta permanência, água quentes e frias).


A fachada do prédio onde funcionou o Hot
evoca em grafitos o passado da Praça




No centro da Praça mantém-se o Jardim Alfredo Keil, cujos bancos são agora dos maiores albergues de sem-abrigo na noite de Lisboa.
E como diria José Carlos Ary dos Santos, nas palavras cantadas por José Afonso:

A cidade é um chão de palavras pisadas

(…) à procura da sombra de uma luz que não há.

Texto e fotos Beco das Barrelas
/ Direitos reservados.

sexta-feira, dezembro 14, 2012

O Corredor já corre


O Corredor Verde de Lisboa, ligando o Parque Florestal de Monsanto ao Parque Eduardo VII, está pronto. O presidente da Câmara de Lisboa pode hoje inaugurar a obra que vai permitir andar a pé, de bicicleta ou a correr nos seis quilómetros entre Monsanto e o Parque. Ontem davam-se os últimos retoques no elo que faltava ao Corredor Verde, a ponte sobre a Rua Marquês da Fronteira.
 
 
 
Quem sonhou este Corredor Verde foi o professor arquiteto Gonçalo Ribeiro Teles e o sonho levou 30 anos para vencer a burocracia, a rotina, os interesses. O Corredor é parte de um Plano Verde de Lisboa, que Ribeiro Teles planeou e desenvolveu até que, em Janeiro de 2003, recebeu ordem para que entregasse as chaves e desocupasse as instalações onde trabalhava. Assim, sem mais nem menos, nem uma palavra. A atual Câmara reparou a injustiça.

O trajeto do Corredor começa sensivelmente no Moinho das Três Cruzes, em Monsanto, e atravessa sucessivamente a Quinta do Zé Pinto, os Jardins de Campolide, o Campus Universitário, o Jardim do Palácio Ventura Terra, as traseiras do Palácio da Justiça, a rua Marquês da Fronteira, desembocando no Jardim Amália, no alto do Parque.

Questões de pormenor: o Corredor Verde é ocre e o passadiço que faz a ligação final do Corredor tem uma enorme placa, que se vê à distância, de um vivo e berrante vermelho Vodafone.

Texto e fotos Beco das Barrelas / Direitos reservados.

quinta-feira, dezembro 13, 2012

Natal dos Simples


Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
É quando um homem quiser
José Carlos Ary dos Santos

Natal é quando um homem quiser, dizia o poeta. Mas quando se entra em Dezembro, o Natal ocupa a cidade e enche os olhos e as almas das pessoas, mesmo que o Papa venha dizer que Jesus Cristo, afinal, não nasceu em 25 de Dezembro. O Natal está nas montras e nos passeios, nos pequenos gestos de dar e receber, está na esperança de quem vende como na de quem compra, está em alguma cordialidade e amabilidade que se recupera. Ainda há quem sinta o que diz quando deseja Boas Festas.
Mas este ano milhões de portugueses vão ter um Natal sofrido, magoado. Este ano o Natal não vai chegar para fazer sorrir todas as crianças dos círculos familiares e de amigos, para aquecer o espírito de família e o sentimento da amizade.
Este ano o gosto de dar é mais tímido, o gosto de receber mais contido e o gosto de partilhar é mais mitigado. Não estou a falar de consumismo nem da ostentação dos novos-ricos. Os que compram por comprar e para dar nas vistas têm culpas no cartório desta crise. Não foram as pessoas simples que dão pelo prazer de dar alegria aos outros que se endividaram e endividaram a banca e o País. Mas são os simples que estão a pagar a crise.
E de que maneira.
 
Este vai ser um Natal diferente.
E bem podia o Pai Natal lembrar-se dos portugueses e pôr-lhes nos sapatinhos trabalho, salários justos, saúde e educação tendencialmente gratuitas, esperança e futuro.

Texto e fotos Beco das Barrelas / Direitos reservados.

terça-feira, dezembro 11, 2012

Lisboa não sejas francesa


Paris em Lisboa
Alguma razão haveria, em 1952, para que Raul Ferrão (musica) e José Galhardo (letra) escrevessem o fado-canção Lisboa não sejas francesa, para a opereta A Invasão. A cultura francesa que dominara a Europa desde a Revolução começava a ser substituída pela norte-americana. O tema da canção parecia de todo desajustado dos tempos. E a canção foi um sucesso popular na voz Amália.
Au Petit Peintre
A dupla Raul Ferrão e José Galhardo garantia o sucesso de qualquer composição. Só o slow Coimbra, no original ou vertida na versão Avril au Portugal, foi gravado por dezenas de orquestras e solistas, entre os quais Amália Rodrigues, Alberto Ribeiro, Louis Armstrong, Eartha Kitt, Xavier Cugat,  Perez Prado, Bing Crosby, Yvette Giraud, Vic Damone, Lucho Gatica, Liberace, Caetano Veloso.




Au Bonheur des Dames




 E em 1952, celebrando-se os 145 anos das Invasões Francesas, o teatro de revista entrou no programa com o espetáculo A Invasão. Terminara a II Guerra Mundial, juntamente com o Plano Marshall os Estados Unidos invadiam a Europa com pastilhas elásticas e calças de ganga. Era tempo de mudar de costumes e de amigos. O comércio da Baixa de Lisboa ressoava influência francesa por todos os lados. A palavra de ordem veio em forma de canção.



Librairie A. Ferrin


Mas ficaram alguns letreiros sobre as portas de lojas da Baixa: queira-se ou não, a França ainda é sinónimo de chique.   
Só falta saber, se Ferrão e Galhardo ainda estivessem entre nós, que canção iriam compor agora para chamar Lisboa a ser mais portuguesa.


Texto e fotos Beco das Barrelas / Direitos reservados

Lisboa Nascente e Poente




Nascente
Não sei se dura sempre esse teu beijo
Ou apenas o que resta desta noite
O vento, enfim, parou
Já mal o vejo
Por sobre o Tejo
E já tudo pode ser
Tudo aquilo que parece
Na Lisboa que amanhece
Sérgio Godinho
 
E eu que tenho a vida desarrumada
como se fosse um milionário bêbado,
ergo-me e saio para a rua deslumbrado
e ressuscitado, todos os dias, ao amanhecer.
Manuel da Fonseca
 
Poente
Anoitece
Nas vielas e nas esquinas
Nas escadas e nas colinas
Nas calçadas feitas à mão
No bater do meu coração
Mas não me canso de percorrer
A cidade em que vim nascer
Onde o Tejo vem adormecer
E é uma porta aberta para o mar
Um convite p'ra navegar
Pedro Ayres de Magalhaes / Madredeus
 
 
 
 
 
Quarto minguante
A espaços, iluminam-se os andares,
E as tascas, os cafés, as tendas, os estancos
Alastram em lençol os seus reflexos brancos;
E a Lua lembra o circo e os jogos malabares.
Cesário Verde / Noite fechada

 
 
 
Fotos Beco das Barrelas
/ Direitos reservados

segunda-feira, dezembro 10, 2012

Grande Campo Pequeno



Chaminé da fábrica de tijolo
no edifício da CGD
A chaminé da fábrica que forneceu os tijolos para a construção da Praça do Campo Pequeno, no final do século XIX, ficou incrustada no edifício da Caixa Geral de Depósitos. É uma amostra de arqueologia industrial portuguesa nos tempos em que os Campos, Grande e Pequeno, ficavam fora de portas.
A Praça, projetada pelo conceituado arquiteto António José Dias da Silva, foi inaugurada em 18 de Agosto de 1892, com lotação para 8434 espectadores, passando a constituir um marco cultural e turístico da cidade de Lisboa. Até então, as corridas de toiros em Lisboa realizavam-se numa praça no Campo de Santana. A Praça foi desenhada em estilo neoárabe, com cúpulas e torreões de inspiração islâmica, rodeada de um largo e frondoso jardim.

Hoje, o Campo Pequeno é uma sala de espetáculos polivalente, com teto amovível, que pode albergar corridas de toiros mas também concertos, espetáculos de bailado, ópera ou teatro. Abaixo do piso térreo dispõe de um centro comercial com 60 lojas e oito salas de cinema, espaços de restauração e, pnos dois pisos mais abaixo, estacionamento para estacionamento para 1250 automóveis.
À superfície, de cada lado da porta principal, há restaurantes e bares, com esplanadas, alguns de real qualidade.
E à volta da Praça se desenvolveu o Campo Pequeno e se fez maior a cidade.

Nas imediações da Praça, dois edifícios majestosos imprimem a sua marca na zona do Campo Pequeno: a sede da CGD, com a galeria e auditório da Culturgest, e a Biblioteca Municipal do belíssimo Palácio Galveias.

 
Texto e fotos Beco das Barrelas / Direitos reservados.

quinta-feira, dezembro 06, 2012

A Traquitana do Fado


Todos a conhecem ou todos a observam quando descem a Rua do Carmo. Talvez nunca ninguém a tenha visto a rodar, embora tenha rodas, volante, caixa para o motor, carroceria. E também tem instalação sonora, que espalha sons dolentes de fado a quem passa na Rua do Carmo. Por mim, confesso: quantas e quantas vezes parei perto de montras que não me diziam nada, só para ficar a ouvir até ao fim um conhecido fado de Amália, uma antiga gravação de Lucília, um remake de Beatriz da Conceição, o novo disco de Ana Moura. Que querem? A “culpa” fica com a minha mãezinha que me embalou a cantar fados daqueles tempos, como esse, lindíssimo, que aqui há dias recordei num texto a propósito da solidão, Fria Claridade, poema de Pedro Homem de Mello.

A carrinha do Fado - viatura vintage da marca Fleur de Lys, com a matrícula OE-50-80 - vende discos mas, acima de tudo, divulga ao fado entre quem passa numa das mais movimentadas ruas pedonais de Lisboa. E a sua função completa-se, um pouco mais abaixo, na Rua Áurea, com a Discoteca Amália.

A casa foi fundada em 1991 e constitui um verdadeiro relicário do fado. Ali se encontram as últimas novidades como os mais antigos sucessos, novos fadistas, como novos velhos fadistas que muita gente não sabe o que perdeu nunca os tendo ouvido cantar. Novidades e raridades numa loja da Baixa, com o Fado em alta.
 
Texto e fotos de Beco das Barrelas / Direitos reservados. 


Veja também:
Alfama, o fado e os poetas

E que tal um fado? Vamos a isso:
Amália com o saxofonista Don Byas // Povo que lavas no rio // Poema de Pedro Homem de Mello, // fado Vitória, de Joaquim Campos // Guitarras José Fontes Rocha e Carlos Gonçalves,  viola Pedro Leal, viola-baixo Joel Pina.

terça-feira, dezembro 04, 2012

Reler Lisboa



 


Tinha imaginado uma cidade tão enevoada como San Sabastian ou Paris. Ficou surpreendido com a transparência do ar, a exactidão do cor-de-rosa nas fachadas das casas, a uniforme cor avermelhada dos telhados, a estática luz dourada que perdurava nas colinas da cidade com um esplendor de chuva recente.
António Muñoz Molina, O Inverno em
Lisboa
Quetzal, 1991
 

Ao entrar no velho eléctrico centenário de Lisboa, Gregorius sentiu-se transportado para a Berna da sua infância. De facto, aquele 28 que avançava pela parte alta da cidade tropeçando, sacudindo-se e tilintando, em nada parecia distinguir-se dos velhos eléctricos com os quais ele viajara horas e horas pelas ruas e vielas de Berna, numa altura em que ainda não precisava de pagar bilhete.
Pascal Mercier, Comboio Nocturno para Lisboa
Dom Quixote, 2007
 




Levou-nos pela avenida principal até ao bairro mais antigo de Lisboa, Alfama, um labirinto acidentado
de vielas estreitas, onde comerciantes,
em lojas parecidas com grutas,
e Árabes, em tendas ao ar livre,
compravam e vendiam de tudo, desde peixe a pratas da família.
Podíamos estar em Istambul ou no Cairo.
Tom Gabbay, Encontro em Lisboa
Casa das Letras, 2008

 

Quatro homens estavam sentados num carro à entrada do Parque Eduardo VII, no centro de Lisboa: um major, dois capitães e um tenente. O capitão do banco da frente tinha no colo um rádio para o qual todos olhavam, mal ouvindo o que dizia. O major inclinou-se para olhar o relógio à luz do candeeiro da rua. O tenente bocejou de nervoso.
- E agora - disse no rádio a voz tranquila de José Vasconcelos - Zeca Afonso canta Grândola Vila Morena…
O capitão virou-se no banco.
- Começou meu major - disse,
e o major concordou com a cabeça.
Robert Wilson, Último acto em Lisboa
Gradiva, 2000


O avião aterrou em Lisboa sem incidentes.
Victor e Ilsa passaram facilmente pelas formalidades da alfândega.
Ocuparam os quartos do Hotel Aviz sem que lhes fizessem perguntas. Nessa noite, dormiram juntos, sem paixão.
Michael Walsh, Adeus Casablanca
Europa-América, 1999

Fotos de Francisco João / Direitos reservados.

Ler também:
 

segunda-feira, dezembro 03, 2012

Rua Áurea, a do Ouro


A Rua chama-se Áurea, mesmo que isso entre em briga com a língua portuguesa. O Prof. Vasco Botelho do Amaral, distinto linguista, dizia que Rua Áurea era um “chamadoiro toponímico”. “Áurea é atributo: do Ouro é determinativo”, dizia o professor, pugnando que se usasse a designação popular de Rua do Ouro. Ou então que se mudasse toda a toponímia e se chamasse “rua Argêntea à da Prata, rua Fanqueiral à dos Fanqueiros, rua Bacalhoeira à dos Bacalhoeiros”. Fica assim: a Rua é Áurea nas placas toponímicas e do Ouro no falar dos lisboetas. No século XV chamavam-lhe Rua dos Ourives do Ouro.
Instalações do Banco de Portugal
na Rua do Crucifixo: aqui funcionou.
nas primeiras décadas do século XX,
o célebre Banco Angola e Metrópole. 
E de facto, na rua se estabeleceram, e em muitos casos se mantêm, ourivesarias, joalharias, relojoarias, casas de câmbio e bancos. Os que não couberam na Rua Áurea, procuraram as ruas das imediações.
Na Rua Áurea, ou do Ouro, estão as sedes do Banco Santander Totta, do Montepio Geral - antigo Monte Pio dos Empregados Públicos - e a Fundação Millennium Bcp.
Na paralela Rua Augusta nasceu a Companhia Geral do Crédito Predial Português, o Banco Industrial Português e a Casa de Câmbios de José Maria do Espírito Santo Silva.
Na esquina da Rua Áurea com a Rua do Comércio é a sede do Banco de Portugal, desde 1870. À data da sua fundação, em 1846, o Banco funcionava em instalações de Câmara de Lisboa, que arderam. Só que, nessa altura, a rua não se chamava do Comércio mas Rua Nova de El Rei.
Sede do Banco Santander Totta na Rua do Ouro


Muitos outros bancos existiram na Baixa pombalina - Banco Lisboa & Açores, Casa José Henrique Totta, Banco da Agricultura, Banco do Alentejo, Banco Raposo de Magalhães, Pinto de Magalhães - mas foram integrados e fundidos por nacionalizações ou absorvidos por aquisições e fusões.  
As sedes dos grandes bancos aproveitam bem a exuberância solene da arquitectura pombalina. Ligam bem, a ostentação e o dinheiro, e dá grande respeitabilidade à banca.
  
Texto e fotos de Beco das Barrelas / Direitos reservados.



Ler também: